
No final da Primavera de 1808, toda a Península Ibérica fervilha
com revoltas e levantamentos contra a presença massiva dos
exércitos de Napoleão Bonaparte. Em Portugal a Suprema Junta
do Reino, organiza um numeroso exército, mas pouco eficiente,
a norte do país, com o objectivo de marchar contra Lisboa e
expulsar os franceses.
A 10 de Junho, o Príncipe Regente, D. João, perante os massacres
e pilhagens perpetrados pelos exércitos de Junot, declara
oficialmente guerra ao império francês. Com toda a Península em
ebulição contra Bonaparte, o governo do Reino Unido, decide
actuar e aproveitar a oportunidade de combater Napoleão, na
Europa Continental. Em 1 de Agosto de 1808 desembarca em
Lavos, Figueira da Foz, um forte contingente militar comandado
por Sir Arthur Wellesley, futuro duque de Wellington, com o
objectivo de apoiar a revolta portuguesa. Rapidamente as forças
britânicas e portuguesas marcham para Sul, em direcção a Lisboa.
O primeiro embate entre as tropas britânicas e francesas ocorre
a 15 de Agosto de 1808, nos arredores da Vila de Óbidos. Nesse
dia, o exército britânico chega às Caldas da Rainha, vindo de
Alcobaça, onde pernoitara no dia anterior. Wellesley, comandante
em chefe, sabendo da proximidade de importantes forças
francesas, envia quatro companhias de atiradores (“Riflemen’s”)
do 60º Regimento e do 95º de atiradores, em direcção a Óbidos,
numa missão de reconhecimento, dando ordens concretas para
evitarem qualquer confronto com as forças inimigas.
Os franceses, por seu turno, comandados pelo general
Delaborde, acompanhavam de perto o avanço britânico. Desde
algum tempo que esperavam um momento e um local apropriado
para enfrentarem a força expedicionária britânica, apesar de
conscientes da sua inferioridade numérica .
É na zona da várzea de Óbidos, coroada a sul pelos altos da
Columbeira, soberba posição defensiva, que o experiente
general francês encontra o local que há alguns dias procurava.
Concentrando toda a sua divisão nesse sector, aí decide barrar o
caminho às forças anglo-portuguesas.
Para além do local ser o ideal para “dar batalha”, ao recuarem
de Óbidos, os franceses, deixariam aberta a estrada para a
importante cidadela de Peniche, principal porto e fortaleza a norte
da capital. A queda da praça-forte permitiria ao exército britânico
garantir um óptimo porto de abrigo para a frota, que controlava por
completo a costa portuguesa e, consequentemente, o constante
reabastecimento do exército de terra. Era pois imperativo para as
forças napoleónicas impedir que tal sucedesse.
Explorando ao máximo as óptimas condições defensivas que o
terreno lhe proporcionava, o comandante em chefe da primeira
divisão do exército de Portugal, elabora um dispositivo de batalha
que permitiria atrasar ao máximo o avanço aliado, dando tempo à
Divisão Loison para se juntar à refrega. Equilibrando, com isso, as
forças em confronto.
Nesse sentido, encarrega o general Thomières de organizar uma
primeira linha defensiva, junto do burgo medieval. Composta
por seis companhias de infantaria , incluíndo duas de elite
pertencentes ao batalhão suíço, a força avançada francesa
posiciona-se junto à linha do rio Arnóia, ocupando a Vila. Enquanto
o grosso da Divisão tomaria posições junto à aldeia da Roliça, uma
légua para Sul.
Apesar das advertências de Wellesley, para tomarem todas
as precauções necessárias, as companhias de atiradores
britânicos entram em contacto com a primeira linha francesa,
ocasionalmente, na zona do Bairro da Senhora da Luz,
envolvendo-se rapidamente num intenso tiroteio com as forças
francesas, com o intuito de as fazer recuar. Numa primeira fase
são bem sucedidos e, empolgados pela sua primeira vitória,
decidem perseguir os franceses que entretanto recuavam.
Avançando perigosamente, os “Riflemen’s” vêem-se debaixo de
fogo, cada vez mais intenso, pois a infantaria francesa dispara
de todos os lados, incluindo de dentro das vetustas muralhas de
Óbidos. Segundo o atirador inglês, Benjamim Harris do 95º Rifles,
os ingleses receberam uma autêntica “saraivada” de tiros de
mosquete.
Aproveitando o facto de ser uma óptima oportunidade para
eliminar os isolados “Riflemen´s”, os franceses realizam um
contra-ataque, em força, o que provoca bastantes perdas
aos britânicos, que se encontravam agora numa situação
extremamente difícil. Vendo o perigo pelo qual passavam os
seus homens, Wellesley dá ordens ao major general Spencer,
para avançar. Este, à frente da sua brigada, consegue resgatar
as fatigadas companhias ligeiras e ocupar Óbidos. Os franceses
desistem da Vila e retiram-se para a aldeia da Roliça .
Essa acção permite a Delaborde ganhar dois preciosos dias,
antes do ataque britânico e garantir, assim, a chegada de Loison
e dos seus homens. No entanto, por ordens de Andoche Junot,
o general Loison e toda a sua divisão juntar-se-ia à força principal
francesa, que se concentravam já na vila de Torres Vedras.
Preparando o combate principal que se adivinhava.
No dia 17, e após terem sido efectuados reconhecimentos de
terreno no dia anterior, o comandante em chefe britânico dispõe as
suas brigadas ao Sul de Óbidos e avança em direcção das forças
francesas, estacionadas junto à aldeia da Roliça. Na esquerda:
o general Ferguson, apoiado pela brigada de B. Bowes, avança
pelas alturas da Usseira. Ao centro: os brigadeiros Nightingale,
Fane e Hill, com a cavalaria, a artilharia e apoiados com os
caçadores portugueses, dirigem-se em direcção ao inimigo pela
estrada real. À direita: o coronel Nicholas Trant, conduz os 1 200
portugueses, pelo sopé do Sobral da Lagoa, a oeste do rio Real.
Apesar de correr o risco de se ver cercado, Delaborde já
havia antecipado o plano inglês. Rapidamente, assim que as
companhias ligeiras entram em confronto, nas margens do rio
Real, recua a sua divisão do terreno, pela estrada da Roliça, em
direcção aos altos da Columbeira, escapando assim à manobra
envolvente.
Wellesley, vendo gorados todos os preparativos realizados pela
manhã, reinicia o ataque, pondo de novo em prática o plano inicial,
concentrando toda a artilharia no monte sobranceiro à aldeia da
Roliça. Os canhões britânicos disparam, para além dos obuses
sólidos, as novas granadas - as “Shrapnells” -, cravejando as
alturas de estilhaços e fogo. Ao mesmo tempo, o coronel George
Lake, à frente dos seus homens, ataca intrepidamente a posição
francesa, através de uma das ravinas, o que lhe causaria a morte e
pesadas baixas no seu regimento.
Com a pressão a aumentar e apesar da bravura das forças
francesas, os ingleses tomam de assalto os altos da Columbeira.
O veterano Delaborde, perante a enorme desvantagem numérica,
e sempre esperando a chegada de reforços, é obrigado a recuar
em direcção a Lisboa. De início ordeira e protegida por cargas
controladas dos esquadrões de dragões a cavalo, a retirada da
divisão Delaborde torna-se caótica na passagem pela Zambujeira
dos Carros, perdendo-se boa parte da artilharia e bagagem. O
general francês, já no cabeço de Montachique, perto de Loures,
recebe ordens de Junot, para se juntar à força principal francesa
em Torres Vedras.
A 21 de Agosto com todo o exército francês concentrado em
Torres, Andoche Junot, desencadeia uma enorme ofensiva contra
o exército de Wellesley, junto à aldeia do Vimeiro, enquanto os
britânicos recebiam reforços. O ataque redundou num enorme
fracasso para as forças imperiais, tendo os franceses sofrido um
elevado número de mortos e feridos.
Alguns dias mais tarde, assinava-se a controversa Convenção de
Sintra, na qual as forças francesas abandonariam Portugal, nos
barcos da Royal Navy, levando o produto de meses de saque.
Napoleão, no entanto, preparava já um exército de 150 mil
homens, comandados por ele próprio, para se juntar aos 100
mil de Joachim Murat, que já ocupavam a Espanha, tentando
assegurar o trono de José, seu irmão, para resolver, de uma vez
por todas, a questão Ibérica.
Visita aos locais Históricos
A visita aos locais históricos onde ocorreram os combates de 15 e 17
de Agosto de 1808, é, para além de um passeio histórico e cultural,
uma óptima oportunidade de contacto com a natureza e de desfrutar
a beleza paisagística que este tipo de roteiro poderá proporcionar.
Comece pela aldeia do Bairro da Senhora da Luz. A localidade
situa-se entre Caldas da Rainha e Óbidos e remonta,
provavelmente à Idade Média. No local mais elevado, em especial
junto ao moinho, poderá observar a cidade das Caldas, bem
como compreender a importância do local, como nó viário e ponto
estratégico, para o desenrolar do início dos combates do dia 15.
Neste local pode ainda visitar a Capela de Evocação a Nossa
Senhora da Luz, construída nos inícios do século XVIII.
Seguindo depois para Óbidos, desfrute de um agradável
passeio à Cerca e ao adarve, de uma beleza ímpar. Apesar
das alterações sofridas com os restauros dos anos cinquenta,
a muralha de Óbidos mantêm o mesmo desenho medieval e
praticamente a mesma estrutura defensiva, que apresentava na
altura dos combates em 1808. Não esqueça uma visita à Torre
do Facho, onde existe uma brecha, que serviu para colocar uma
peça de artilharia para proteger a Vila, de forças atacantes que
se aproximassem de sul, pela Estrada Real. A brecha terá sido
feita, em 1810, pelo destacamento aqui colocado por Sir Arthur
Wellesley, durante a invasão de Massena.
De seguida, aconselhamos uma visita ao Moinho do Facho, posto
de comando das operações aliadas. Aqui poderá (se munido de
um bom mapa da batalha) compreender o modo como Wellington
dispôs os seus 15 mil homens no terreno, na manhã do dia 17. Do
moinho poderá ver todo o vale, onde se desenvolveram todos os
acontecimentos, tal como o Duque de Ferro o viu nessa manhã de
Agosto, bem como os locais onde estariam posicionadas as forças
francesas do general Delaborde.
Poderá depois seguir o percurso pela antiga Estrada Real,
passando a antiga ponte da Pegada em direcção a S. Mamede,
seguindo o trajecto que as forças anglo-portuguesas tomaram
nesse dia. Se preferir, poderá ainda seguir pela zona da Usseira,
seguindo o percurso que Ferguson desenvolveu com a ala
esquerda do exército aliado. Pare no lugar da Boavista, onde
poderá desfrutar da fabulosa paisagem sobre o vale e tirar umas
magnificas fotografias. Se preferir, parta de Óbidos, passando pela
aldeia do Pinhal e o sopé do Sobral da Lagoa, seguindo o trajecto
que o Coronel Trant fez com os soldados portugueses, pela zona
da Amoreira.
Já no Concelho do Bombarral, logo após a ponte de S. Mamede,
vire à direita, antes de entrar na localidade da Roliça. Aí poderá
ver o local onde Delaborde colocou o exército imperial, na sua
primeira posição defensiva. Depois siga a estrada em direcção
à Columbeira. Poderá, entretanto, visitar a Igreja da Roliça, de
origens medievais e o monumento evocativo da batalha. Após
passar a Zambujeira dos Carros, termine o passeio nos Altos da
Columbeira, onde poderá visitar o túmulo do Coronel Lake e deixese
maravilhar pela espectacular paisagem do Alto do Picoto. Aí
poderá visualizar toda a várzea e compreender melhor a Batalha
da Roliça. Se ainda tiver tempo, poderá visitar a Quinta de Vila
Viçosa, ao Sul da Zambujeira, onde terá pernoitado Wellington, na
noite de 17 para 18.
Bom Passeio.

Ouvi, ouvi este poeta ignorado
Que cá de longe fechado numa gaveta
No suor do século vinte
Rodeado de chamas e de trovões,
Vai atirar para o mundo
Versos duros e sonâmbulos como eu.
Versos afiados como dentem duma serra em mãos de injúria.
Versos agrestes como azorragues de nojo.
Versos rudes como machados de decepar.
Versos de lâmina contra a Paisagem do mundo
— Essa prostituta que parece andar às ordens dos ricos
Para adormecer os poetas.
Fora, fora do planeta,
Tu, mulher lânguida
De braços verdes
E cantos de pássaros no coração!
Fora, fora as árvores inúteis
— Ninfas paradas
Para o cio dos faunos
Escondidos no vento...
Fora, fora o céu
Com nuvens onde não há chuva
Mas cores para quadros de exposição!
Fora, fora os poentes
Com sangue sem cadáveres
A iludiremos de campos de batalha suspensos!
Fora, fora as rosas vermelhas,
Flâmulas de revolta para enterros na primavera
Dos revolucionários mortos na cama!
Fora, fora as fontes
Com água envenenada da solidão
Para adormecer o desespero dos homens!
Fora, fora as heras nos muros
Vestirem de luz verde as sombras dos nossos mortos sempre
De pé!
Fora, fora os rios
a esquecerem-nos as lágrimas dos pobres!
Fora, fora as papoilas,
Tão contentes de parecerem o rosto de sangue heróico dum
Fantasma ferido!
Fora, fora tudo o que amoleça de afrodites
A teima das nossas garras
Curvas de futuro!
Fora! Fora! Fora! Fora!
Deixem-nos o planeta descarnado e áspero
Para vermos bem os esqueletos de tudo, até das nuvens.
Deixem-nos um planeta sem vales rumorosos de ecos húmidos
Nem mulheres de flores nas planícies estendidas.
Um planeta feito de lágrimas e montes de sucata
Com morcegos a trazerem nas asas a penumbra das tocas.
E estrelas que rompem do ferro fundente dos fornos!
E cavalos negros nas nuvens de fumo das fábricas!
E flores de punhos cerrados das multidões em alma!
E barracões, e vielas, e vícios, e escravos
A suarem um simulacro de vida
Entre bolor, fome, mãos de súplica e cadáveres,
Montes de cadáveres, milhões de cadáveres, silêncios de cadáveres
E pedras!
Deixem-nos um planeta sem árvores de estrelas
A nós os poetas que estrangulamos os pássaros
Para ouvirmos mais alto o silêncio dos homens
— Terríveis, à espera, na sombra do chão
Sujo da nossa morte.
J.G. Ferreira