
A UEFA decidiu permitir o acesso do FC Porto à Liga dos Campeões de 2008-09. Não surpreende que isso aconteça, neste passo e de acordo com o desenvolvimento do processo. Um processo que, no entanto, mostra a falência da organização jurisdicional do futebol português.
Primeiro ponto, aliás questionado em sede do Comité de Apelo, na Suíça: é aceitável que – seja qual for o autor do ilícito – a figura da “tentativa de corrupção” não seja punida, à luz dos regulamentos, com baixa de divisão? Não me parece, a menos que já haja, na sociedade portuguesa, um conformismo tal com todo o tipo de ilegitimidade que transforme qualquer “tentativa de corrupção” num acto de irrelevante gravidade. Temos aqui, pois, o primeiro desconchavo.
Segundo ponto: neste momento é, no mínimo, arriscado afirmar, categoricamente – como se tem ouvido por aí –, para quem aceita como boas as decisões de última instância, que a FC Porto, SAD fez mal em não produzir recurso sobre a decisão da Comissão Disciplinar da Liga. Aliás, com a marcha-atrás que o processo conheceu, já há quem sustente o contrário, o que não justifica qualquer tipo de “caça às bruxas” (denunciada por Rui Moreira), se ela, de facto, existe.
Terceiro ponto: defendam como quiserem – mais ou menos crispadamente – as teses que mais interessem às partes do ponto de vista jurídico. Não me afastarei desta ideia: não me parece certo que uma nova norma do ponto de vista da admissibilidade de um clube a uma competição, introduzida em 2007, possa ter efeitos sobre situações ocorridas antes da sua publicação.
Quarto ponto: o sistema da organização jurisdicional do futebol em Portugal não cuidou de criar condições para estabelecer um regime de justiça desportiva suficientemente independente para poder resistir às pressões dos clubes e dos seus “agentes satélites”. É aí que começa a fraude. Não cuidou porque não quis criar – e nisso é um monstro igual a outros monstros, cuja paternidade deve ser atribuída à FIFA e UEFA (organismo que geram interesses movidos pelo lucro), com a conivência de múltiplos Governos ditos soberanos.
A equidade, no futebol, é uma falácia. Ganha o mais forte, dentro e fora das quatro linhas. A pergunta que se impõe: alguém quer alterar isto em substância? Não me parece. É possível alterar isto? Não me parece, também – pelo rumo dado ao futebol, impulsionado(r) pelo capitalismo.
Não é assim – com jogos de interesses entre clubes – que se combate a corrupção. A organização do futebol, como ela está representada, fomenta o tráfico de influências e a procura de caminhos ínvios para se chegar ao objectivo. É isso que se tem de atacar. As deformações do sistema e de quem o alimenta. Há alguém disponível?
Rui Santos in Record

Com o afastamento do Futebol Clube do Porto da UEFA, regressou em força o "Apito Dourado", e com o "Apito Dourado" regressou Pinto da Costa, as escutas telefónicas e, claro, Carolina Salgado. E com Carolina Salgado regressaram também as insinuações que sobre ela pendem desde que decidiu soltar a língua e acusar o ex-companheiro de trafulhices várias. Insinuações essas que representam o pior do machismo lusitano, e que à sua maneira são um atentado a direitos que ninguém tem o direito de espezinhar. Com estes olhos que a terra há-de comer, vi demasiada gente, com demasiada responsabilidade, pôr em causa a credibilidade de Carolina Salgado com base num único argumento: como acreditar na palavra de alguém com o seu "passado"?
O problema não está tanto na forma como gente de fato e gravata chama nomes à senhora nos jornais e na televisão usando indirectas e subentendidos próprios da linguagem de taberna. O problema está na ligação que se estabelece entre a sua velha actividade e a veracidade das denúncias: "Primeiro andou a vender-se e agora quer que acreditemos no que diz." Mais do que reles, este pensamento é sintomático do pouco que realmente mudámos desde o tempo em que os rapazes de boas famílias iniciavam a sua vida sexual com uma visita "às meninas". Hoje como ontem, os marialvas desqualificam a mulher que faz a vida numa casa de alterne (Carolina) mas não o homem que a frequenta (Pinto da Costa).
Dir-me-ão que as denúncias de Carolina Salgado são fruto de um ódio pessoal, de uma vontade de vingança, onde o desejo de fazer justiça é secundário. Com certeza que sim. Mas isso pouco importa. Basta ver filmes e ler livros - as denúncias que realmente doem partem sempre de quem foi próximo e agora quer vingar-se. Está escrito nos compêndios de "sabedoria popular": zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades. O trabalho da polícia é confirmar a veracidade do que foi denunciado, e não fazer um julgamento moral do denunciante. Assistir a advogados e juristas, só porque são amigos pessoais de Pinto da Costa, fingirem que não sabem isto é triste, para não dizer patético.
Carolina Salgado não é uma figura simpática. Carolina Salgado escreveu um livro assassino, onde cai no outro extremo, fazendo-se passar por virgem numa casa de alterne e falando de Pinto da Costa como se fosse o primeiro e único amor da sua vida. Não falta ali hipocrisia, e a senhora, em última análise, pode estar a mentir com os dentes todos. Quem sabe se Pinto da Costa não merece até um altar, ao lado de Madre Teresa de Calcutá. Agora, o que já não se pode admitir é a desvalorização da palavra de alguém com base na posição que ocupa na escala social ou no tipo de actividade que exerceu no passado. Isso é recuar décadas e décadas de civilização. E, em bom português, é também uma canalhice.
João Miguel Tavares
Jornalista
jmtavares@dn.pt