
Foi ontem lançada uma campanha contra o tráfico de seres humanos. Um negócio dos novos negreiros, dos vampiros mais radicais da sociedade consumista que desbragadamente construímos até ao limite da sua quase destruição, como revela a crise que neste momento assola os sistemas financeiros mundiais.
Portugal tem sentido este problema. São vários os portugueses que partem para um país estranho comprometidos com contratos ou promessas de trabalho que parecem ser a solução para as suas dificuldades para, de repente, se verem subjugados por organizações criminosas que os cativam, que os tratam como escravos, que não lhes pagam, que lhes condicionam a liberdade até, em alguns casos, à liberdade de movimentos. E, por mais que se iluda o problema com os números estatísticos, Portugal tem sido um mercado preferencial para estes negócios sórdidos.
Sabe-se aquilo que as máfias de Leste têm feito. Ou melhor, sabia-se, antes de se pulverizar a investigação criminal por várias polícias sem troca de informação e correlação de números. Sabe-se, ainda há pouco se viu, bandos de romenos e ucranianos, usados nas vindimas como trabalhadores sem direitos, sem condições, sem garantias de trabalho. Sabe-se como as mulheres brasileiras têm alimentado o negócio do sexo em larga escala, submetidas a senhores de alto coturno, que as distribuem no mercado português e espanhol como se tratasse de caixotes de fruta. A tal ‘fruta’ que um conhecido processo judiciário tem celebrizado.
Sabe-se que o negócio pedófilo ganhou manhas que a Internet dissimula na atracção e exploração de jovens. Sabe-se do trabalho infantil, da expropriação dos mais elementares direitos da criança. Sabe-se, até, que quando se negoceia em carne humana o dinheiro é a moeda de troca de uma economia clandestina que há muito caminha ao lado dos números oficiais.
Há muito tempo que se ilude o problema. Por essa mesma ilusão as estatísticas revelam que em Portugal há poucos casos participados de tráfico de seres humanos. Mas também se sabe que não é assim. E nem se deve atribuir aos serviços de fiscalização e de controlo a existência de tantas vidas clandestinas e em sofrimento. Elas são o produto mais acabado da própria ideologia que determina o Estado e os modelos de desenvolvimentos em que temos apostado com todos os riscos que inscrevem. Do consumo acelerado, da mão-de-obra barata, do prazer a qualquer preço sem cuidar os valores essenciais que afirmam a dignidade humana.
Francisco Moita Flores, Professor universitário