Sexta-feira, 25 de Julho de 2008
Os incidentes ocorridos no bairro da Quinta da Fonte, em Loures, são trágicos, elucidativos e perigosos.
Trágicos, porque não podem ser isolados da sociedade em que vivemos; dos conflitos sociais crescentes; da pobreza que atinge, ou ameaça, mais de metade das famílias portuguesas; da dificuldade que temos em lidar com a heterogeneidade social.
Elucidativos porque confirmam uma coisa que já se sabe há vários anos - que os bairros ditos sociais não integram as minorias, antes reproduzem e agigantam, em muitos casos, problemas conhecidos dos bairros degradados. Dito de outra forma, significam que não se pode fazer integração por decreto, e que uma casa nova não é uma varinha de condão, mesmo que seja uma ferramenta para tranquilizar consciências e angariar votos em época eleitoral.
Trágicos e elucidativos, a um tempo, porque evidenciam um crescente da insegurança, da facilidade de acesso a armas mortíferas e, até, do facto de o governo português ter um discurso e duas práticas. Diz o ministro da Administração Interna que o seu Ministério, as forças policiais e o próprio Executivo "não cedem em nenhuma situação a pressões ou coacções". E que "se os cidadãos se quiserem manifestar terão de o fazer sempre de acordo com a Constituição e com a lei". É assim, de facto, com os Rom da Quinta da Fonte; foi exactamente o contrário, há poucas semanas, com os camionistas que cortaram estradas e pararam o país como quiseram, enquanto quiseram.
Perigosos, finalmente, porque tendem a aumentarem os índices de xenofobia e racismo na sociedade portuguesa. Aqueles que pertencem ao que hoje chamamos "minorias étnicas" parecem possuir, à partida, uma invisibilidade social e mediática; pouco ou nada sabemos das suas vidas, das suas dificuldades, da sua cultura.
Porém, quando se envolvem em acontecimentos perturbadores, como é o caso, tornam-se subitamente sujeitos de uma enorme visibilidade, que os media, com destaque para a televisão, produzem e ampliam. Só que se trata de uma visibilidade distorcida, porque conduz a que lhes seja atribuída uma identidade social negativa, e leva à etnização do problema.
Olha-se para a Quinta da Fonte e vê-se ciganos e negros aos tiros. Tanto basta para que o senso comum os construa como marginais e perigosos, esquecendo a sua condição humana. É isto o que mais assusta.
Mário Contumelias
JN
sinto-me: preocupado
Segunda-feira, 21 de Julho de 2008
“Dito cujo, falo, caralho, pila, verguinha das Caldas, malandrices, louça erótica, um das Caldas”, são tudo nomes que se ouvem quando se fala da cerâmica tradicional das Caldas da Rainha.
A louça tradicional das Caldas da Rainha terá aparecido no final do século XIX. Maria dos Cacos, barrista e feirante, adoptou os primeiros modelos de formas antropomórficas e pendor humorístico. Posteriormente, apareceu Manuel Mafra. Só depois, o humor de Maria dos Cacos e o naturalismo de Manuel Mafra foram recriados por Rafael Bordalo Pinheiro. A determinada altura, o Rei D. Luís terá ido às Caldas da Rainha a procura de umas prendas diferentes para oferecer aos seus amigos. Ao que tudo indica, terá sido a partir deste desejo que Rafael Bordalo Pinheiro terá criado o famoso falo. A criatividade transbordante de Rafael torna-se mais disciplinada com o filho Manuel Gustavo e o seu rival Costa Motta Sobrinho, nomes que sobressaem na cerâmica das Caldas das primeiras décadas do século XX.
Nestes últimos anos, no entanto, as peças fálicas perderam popularidade e já são muito poucos os ceramistas que as fabricam. Artesanato grosseiro ou arte provocatória, a verdade é que as “malandrices” são uma espécie de louça em vias de extinção.
Uma das razões que tem levado ao gradual desaparecimento dos “falos” das Caldas é a falta de seguidores. Enquanto anos atrás havia muita fábrica a trabalhar na louça erótica hoje praticamente não há ninguém. Um dos únicos sobreviventes é Francisco Agostinho com a sua fábrica no Chão da Parada. A sua arte chegou a transpor as fronteiras. Muitas peças suas tiveram como destino países como a Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, Itália e Espanha. Agora limita-se a produzir para o mercado nacional.
Outrora as ruas mais antigas das Caldas da Rainha estavam repletas de lojas e montras cheias de peças de artesanato erótico. Era porta sim porta também. Agora, são apenas três as lojas da especialidade.
Relativamente à expressão “ às cinco não faço mais um...” desconhece-se a sua origem. Pensa-se que esta frase terá sido criada a nível nacional para satirizar os serviços públicos. Desde então é utilizada também para “gozar” com os trabalhadores das Caldas da Rainha, sobretudo aqueles que se dedicam ao fabrico do artesanato erótico.
sinto-me: preocupado
Sábado, 12 de Julho de 2008
Foi notícia nos média: a diocese de Lisboa perdeu nos últimos sete anos à volta de cem mil fiéis praticantes.
O próprio cardeal-patriarca reconheceu que há muita negatividade nas celebrações e na Igreja: inadaptação aos novos tempos; deficiências na formação dos padres; má proclamação da Palavra de Deus; má qualidade e falta de mensagem religiosa dos cânticos; homilias inadequadas e deficientes.
Os jovens queixam-se de que as celebrações são um seca e, frequentemente, têm razão. Onde estão a possibilidade de participação e de diálogo e homilias iluminantes da vida e dos seus problemas e a festa?
Por outro lado, há a invasão do materialismo e do consumismo hedonista. Ora, numa sociedade que procura fundamentalmente o bem-estar material, Deus tem cada vez menos lugar. Mesmo que haja - e há - procura de espiritualidade, já não é necessariamente através da mediação da Igreja. Aliás, há uma imensa crise de fé, que atinge o próprio clero, e sinais de que o cristianismo se pode tornar minoritário na Europa.
Mas é necessário também prevenir para equívocos e falsas idealizações. Assim, como mostrou J. Delumeau, não se pense, por exemplo, que a Idade Média foi sempre modelo de vida cristã. Apesar de tudo, talvez a Igreja hoje seja mais autêntica do que em todas as outras épocas, com excepção dos primeiros tempos do cristianismo. Não se pode esquecer que o mais importante é a prática cristã na vida: praticar a justiça, amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo. A outra prática - a frequência da missa -- deveria vir na sequência da primeira.
De qualquer forma, embora, segundo estudo recente, mais de dois terços dos portugueses apresentem o ser católico como factor de identidade nacional, há uma crescente desafeição em relação à Igreja institucional. De facto, ela não acompanha os tempos e é vista como retrógrada: veja-se, por exemplo, a moral sexual e a relação entre fé e ciência.
Ainda recentemente dizia Eduardo Lourenço: "Lamento que o catolicismo se refugie em coisas arcaizantes que têm efeitos éticos e sociais deploráveis. Não sei se está condenado a morrer, mas está condenado a transformar-se."
Quando se pensa nas transformações do mundo moderno, percebe-se quanto será necessário, sem perder o núcleo da sua mensagem, a Igreja mudar. Dificilmente serão aceitáveis estruturas piramidais, sem participação activa, democrática. As mulheres andam magoadas com a Igreja e vão, legitimamente, exigir tratamento de igualdade. A Igreja não pode pregar os direitos humanos para fora, não os praticando dentro dela. Um dogmatismo rígido e inflexível, sem uma sadia opinião pública, não lhe é de modo nenhum favorável.
Depois, há vícios que é preciso combater, como proclama, do alto dos seus 81 anos, o cardeal Carlo Martini, considerado papabilis durante anos. Para ele, "o vício clerical por excelência" é a inveja. Há muitas pessoas dentro da Igreja "consumidas" pela inveja, perguntando: "Que mal cometi eu para nomearem fulano como bispo e não a mim?"
Para Martini, há outros pecados capitais fortemente presentes na Igreja: a vaidade e a calúnia. "Que grande é a vaidade na Igreja! Vê-se nos hábitos. Antes, os cardeais exibiam capas de seis metros de cauda de seda. A Igreja reveste-se continuamente de ornamentos inúteis. Tem essa tendência para a ostentação, o alarde."
E "o terrível carreirismo" clerical, especialmente na Cúria Romana, "onde todos querem ser mais"? Por isso, "certas coisas não se dizem, já que se sabe que bloqueiam a carreira". Isso é "péssimo para a Igreja". A verdade brilha pela ausência, pois "procura-se dizer o que agrada ao superior e age-se como cada um imagina que o superior gostaria, prestando deste modo um fraco serviço ao Papa".
Autênticas comunidades cristãs têm de assentar em três pilares: fé viva e capaz de dar razões, prática do amor e da justiça, celebrações belas a fortalecer a vida e a fé e a dar horizonte de sentido último à existência.
A Igreja só pode ter futuro, cumprindo o núcleo da sua missão: manter a pergunta acesa e activa a compaixão. |
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
DN
sinto-me: Renovador
Quarta-feira, 9 de Julho de 2008
“Só um tribunal desportivo (...) fica blindado contra as eventuais influências dos clubes e associações.
A última reunião do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol veio demonstrar várias coisas: as fragilidades e deficiências do direito desportivo; a ausência de um regime jurídico sólido e transparente e de uma justiça imune a pressões; a irresponsabilidade dos seus membros; e a falta de um quadro punitivo pedagógico e exemplar. Esta reunião matou o pouco que ainda restava da credibilidade e do prestígio dos organismos que dirigem o futebol português. A pressão a que foram sujeitos os membros do CJ, vinda de todos os lados, com ‘fruta’ ou sem ‘fruta’ prometida, foi insuportável e só pode conduzir à demissão dos seus membros.
Não interessa saber de que lado está a razão: a forma como tudo se passou feriu de morte a legitimidade do órgão. E não vale a pena carpir lágrimas de crocodilo. Para isso contribuíram clubes, associações desportivas, dirigentes, Federação, Liga e os sucessivos governos da República, já que o relevante interesse público da prática desportiva assim o exigia.
A única via para salvar o futebol passa pela criação de um Tribunal de Justiça Desportiva, com autonomia económica e financeira, com regras de funcionamento diferentes e com um corpo de juízes nomeados, por nove anos não renováveis, pelo Conselho Superior da Magistratura. Há muito que defendo, para o desporto, esta realidade judiciária, mas as forças tentaculares do poder instalado, que vive em regime de cleptocracia, não têm deixado. É necessária, também, uma nova classe de dirigentes, uma nova mentalidade, sepultando de vez os Pintos, os Vieiras, os Valentins e os Madaís. As pessoas estão cansadas desta gente e da adulteração da verdade desportiva.
Só um Tribunal de Desporto, trajado com as vestes da imparcialidade, da isenção e da independência, fica blindado contra as eventuais influências dos clubes ou das associações. E não adianta, no actual figurino jurídico, colocar juízes togados para dar essa garantia, porque o problema era igual, dependia do tamanho do avental pelos serviços prestados. Convém dizer, para evitar confusões, que, por sorte, nenhum dos actuais membros do CJ é juiz de carreira. De juízes conselheiros nada têm, a não ser o nome. A construção de uma justiça desportiva, como um meio alternativo de solução de conflitos de interesses, passa pela criação urgente deste Tribunal, com juízes nomeados pelo CSM.
Rui Rangel
CM
sinto-me: desportista
Sexta-feira, 4 de Julho de 2008
O Mercado Medieval de Óbidos, que decorre de 10 a 20 de Julho, vai, este ano, crescer. O Parque da Vila de Óbidos, inaugurado no passado dia 5 de Junho, Dia Mundial do Ambiente, será palco de um vasto conjunto de actividades, nomeadamente de um Encontro Internacional de Grupos de Recriação Histórica e de “Caçadas Medievais”.
O Parque da Vila, localizado na encosta poente de Óbidos, com 200 mil metros quadrados, será a entrada do Mercado Medieval, pela Porta da Talhada. Um alargamento do espaço do Mercado Medieval que serve, acima de tudo, para complementar as tradicionais iniciativas programadas, aumentando, ao mesmo tempo, o conforto dos visitantes.
O Encontro Internacional de Grupos de Recriação Histórica junta sete grupos de seis países europeus: Portugal, Espanha, Polónia, Bélgica, República Checa e Alemanha.
Também no Parque da Vila vão realizar-se torneios e caçadas medievais. Uma novidade na edição deste ano do Mercado Medieval de Óbidos, onde os interessados, trajados a rigor, com setas, arcos e bestas, terão de atirar (e acertar) em alvos em três dimensões, simulando animais. O espaço arborizado está delimitado por uma corda por motivos de segurança. Esta actividade obedece a uma inscrição paga. Uma espécie de “paintball” medieval que promete atrair muitos visitantes.
O Parque da Vila será ainda palco de exposição de diversos animais, nomeadamente de burros mirandeses e cavalos.
Outra novidade na edição de 2008 é o desfile de Trajes Medievais, no dia 19 de Julho, pelas 21 horas, na Cerca do Castelo. Os trajes correspondem aos em uso no continente europeu nos séculos XII, XIII ou XIV, e representam qualquer das classes sociais e extractos económicos existentes nesse período.
Durante a apresentação pública, um júri, composto por cinco especialistas na área da história, apreciará os trajes, dando especial destaque ao rigor histórico do desenho, qualidade artesanal da confecção e dos acessórios. Serão distinguidos os três melhores trajes, sendo o melhor classificado premiado com a oferta de um vale de compras no valor de €500 sobre os produtos da empresa “O Mestre de Armas”.
“O Amor e a Guerra” é a temática deste Ano do Mercado Medieval de Óbidos que terá dois espaços distintos: uma zona mais rural, no Parque da Vila, com armas e acampamentos, e uma zona mais urbana, na Cerca do Castelo, com nova cenografia. Também as crianças não foram esquecidas neste certame, com um espaço destinado a brincadeiras, no Auditório de S. Tiago, com jogos tradicionais e de tabuleiro e face painting.
À semelhança dos outros anos, toda a animação vai acontecendo em diversos locais, sem hora marcada.
O Mercado Medieval de Óbidos em números:
• 115 pontos de venda (16 tasquinhas e 99 bancas de artesanato, outros produtos e serviços);
• 4 grupos de danças medievais (dois de Óbidos - Josefa d’Óbidos e Corte na Aldeia - um de Castro Marim e um de Alhos Vedros);
• 10 grupos de música (Portugal, França, Itália e Norte de África);
• 2 grupos de dança árabe;
• 14 grupos de animação diversa - teatro, combate… (Portugal, Itália e França);
• 1 grupo de bandeirantes - “Sbandieratori” (Itália);
• 2 grupos corais (Óbidos);
• Total: Cerca de 300 elementos de animação.
Valor dos ingressos:
• Bilhete unitário diário - 5 €
• Ingresso gratuito de munícipes, menores de 12 anos e pessoas trajadas à época
Horário de funcionamento:
• Fins-de-semana - das 12h00 às 24h00;
• Dia 10 - das 18h00 às 24h00;
• Outros dias úteis - das 17h00 às 24h00
VENHA ATÉ ÓBIDOS E SINTA O PERFUME SECULAR DAS RAINHAS.
sinto-me: obidense
Quarta-feira, 2 de Julho de 2008
Durante 27 anos, Nelson Mandela esteve preso sem ter cometido qualquer crime. Apenas por pretender que os homens da sua raça fossem tratados em igualdade com as outras. Era o preso número 46 664.
Na hora da sua libertação, ele tinha o olhar sereno de quem não acumulou ódio, antes assumiu com tolerância e amor a análise dos erros humanos de quem o prejudicou. Tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul, onde lançou uma nova era de convivência racial e social.
Granjeou o respeito e a admiração de todo o mundo pela forma equilibrada como sempre actuou, tornando-se uma grande referência à escala global. Já de provecta idade, retirou-se com sabedoria da liderança política e fundou uma organização para combater o impacto devastador da sida no continente africano.
Há poucos dias, Nelson Mandela foi a Londres festejar o seu nonagésimo aniversário numa festa que lhe dedicaram no Hyde Park, onde era suposto estarem 46 664 pessoas, e cujos proveitos revertiam a favor da fundação que criou. Mantendo o olhar sereno e o sorriso infantil de sempre, afirmou: "Não podemos esquecer-nos que o nosso trabalho está longe de estar concluído - o nosso trabalho é garantir liberdade para todos. Nos lugares onde há pobreza e doença, incluindo a sida, nos lugares onde há seres humanos oprimidos, há mais trabalho a ser feito. Noventa anos depois, chegou a altura de serem outras mãos a levar esta carga. As vossas."
Ele foi e é um ser de uma dimensão extraordinária, exemplar no seu comportamento. Fez a sua parte. E, agora, lembra-nos delicadamente que cabe a cada um de nós fazer a nossa. Obrigado Mandela. Que saibamos todos honrar o teu exemplo, respeitando, tolerando, aceitando e amando todos os outros, mesmo aqueles que se nos opõem, que nos desrespeitam ou que nos agridem. Não somos verdadeiramente livres se tiramos a liberdade - sob qualquer forma - a alguém. Mas, quando desenvolvida de forma consciente, a liberdade intelectual pode assumir a leveza da liberdade infantil, já não em movimento físico, mas em dimensão cósmica.
Luís Portela - JN
sinto-me: Resistente