
Há 40 anos, a Companhia Charlie do Exército norte-americano estacionada no Vietname, entrava na aldeia de My Lai e, em pouco mais de três horas, chacinava a sangue frio cerca de 500 civis.
Em 1968, o recorte político nos Estados Unidos era tumultuoso, louco e penoso. Domesticamente assistia-se aos assassinatos de Marter Lutter King e de Robert Kennedy. Enquanto isso, na arena internacional, a Coreia do Norte mostrava a sua determinação ao aprisionar um navio da Marinha Norte-americana, ao mesmo tempo que no Vietname os comunistas davam início à Ofensiva Tet. Não obstante o desconforto induzido por tais episódios, nenhum deles terá certamente humilhado tanto o Tio Sam quanto aquele ocorrido a 16 de Março, data fatídica em que a Companhia Charlie do Exército Norte-americano estacionada no Vietname, entrava na aldeia de My Lai e, em pouco mais de três horas, chacinava a sangue frio cerca de 500 civis.
Deste autêntico terramoto na história militar dos Estados Unidos sentir-se-iam réplicas por todo o sistema político, acabando, inevitavelmente, por influenciar uma opinião pública já fragmentada no apoio à guerra. Na verdade, parecia insuperável que os heróis de Iwo Jima, conquistadores do Terceiro Reich e salvadores do mundo livre, fossem agora os protagonistas da matança. O escândalo e a vergonha atingiram tamanha proporção que muitos norte-americanos se negavam, desesperadamente, a admitir as evidências, jurando que as fotos vindas a público só podiam ser obra da contrafacção Vietcong.
Como em muitas outras matérias o factor tempo é indispensável para o amadurecimento dos aspectos emocionais e melindrosos de um episódio desta natureza. Passados 40 anos, parece-nos oportuno recordar o quão brutal e desumano pode ser o fenómeno da guerra, sem que isso nos transporte para uma crítica leviana e de circunstância, muitas vezes usada exclusivamente em prol de interesses políticos.
Arrepiantes imagens recordam-nos aquilo que um jornalista da Time descreveu como uma «atrocidade executada barbaramente». Um exemplo de como a guerra subverte o indivíduo apoderando-se da sua consciência, numa manobra esquizofrénica em que o «humano» cede o lugar à «besta». De facto, aqueles soldados sanguinários não eram mais homens, não tinham mais alma.
César Rodrigues - Visão