
Atravessamos tempos em que não há males que não venham ao mundo. Crises de toda a ordem. Catástrofes para todos os gostos, perdoem-me a expressão. À catástrofe do regime birmanês juntou-se um catastrófico ciclone – o “Nargis” – que a desprezível e criminosa junta militar do General Than Shwe amplificou e transformou num sismo com várias e sucessivas réplicas. A primeira, ainda antes do ciclone quando, ignorando o aviso da vizinha Índia, por mero desprezo por aquele povo, não tratou de accionar as condições que teriam permitido minimizar os seus efeitos. A segunda quando desinformou e manipulou a informação relativa às vitimas mortais. Primeiro dez mil, depois vinte mil e, finalmente os cem mil em que ninguém já acredita. A terceira ao impedir a entrada de alimentos e outros produtos de urgente necessidade, doados pelos mais diversos países, que permitiriam ainda salvar milhares de vidas. A quarta quando, finalmente e sabe-se lá com que critérios, começou a aceitar a ajuda internacional mas na condição, exclusiva de ser o próprio regime a fazer a sua distribuição. Para lhe colocar dedicatórias e repartir essa ajuda generosa dos seus generais. Personalizada.
Esta catástrofe e as suas réplicas encerram ainda uma outra. A catástrofe da impotência mundial para, de vez, erradicar este tipo de governos criminosos da face da terra. Porque o Tribunal Penal Internacional, que a super potência americana continua a bloquear, só julga ditadores depostos, depois de inofensivos. Porque a potência chinesa, também a braços com um sismo cuja dimensão será ocultada pelo projecto olímpico que aí está (esse sim, não podendo ser ofuscado por nada nem por ninguém) suporta aquele ignóbil regime. Porque não sabe nem quer saber de direitos humanos. Nem do mínimo respeito pela dignidade humana. Porque para eles, o mais importante é o Golfo de Bengala (na Birmânia) e o acesso ao Índico – acesso que o regime birmanês lhes garante fora das alçadas das armadas americana e indiana.
Os milhões de birmaneses que estarão a morrer de fome na sequência desta catástrofe a que a humanidade não consegue responder juntam-se a muitos outros milhões que, por todo o mundo, vão morrendo. Também de fome. E a outros milhões que, embora sem esse espectro imediato, para lá caminharão através de uma via aberta para graves bolsas de pobreza. Num caminho sem retorno que envergonha a humanidade.
Tudo isto porque um capitalismo selvagem e descontrolado decidiu transformar produtos de primeiríssima necessidade, indispensáveis para a sobrevivência da humanidade, em objecto de especulação.
Na origem de tudo isto estão decisões politicas irresponsáveis que promoveram, especialmente na Europa, o também catastrófico abandono da agricultura. A globalização, que transferiu o controlo de variáveis fundamentais para a sobrevivência de centenas de milhões de seres humanos dos Estados para as grandes multinacionais de um capitalismo que não conhece pátrias nem povos.
Pobre mundo este em que vivemos! E pobres de nós. Cada vez mais pobres…
Clarisse Louro
Professora da Escola Superior de Saúde de Leiria
Jornal de Leiria.